GAYS, PAPA, ANGOLA, GANA, BISPOS E…

Recentemente o Serviço de Investigação Criminal (SIC) em Luanda anunciou a investigação das circunstâncias da morte do líder da Associação Íris Angola (movimento LGBTQIP+), encontrado morto em casa, suspeitando de homicídio por asfixia. Hoje, os deputados do Gana aprovaram a “Lei dos Direitos Sexuais e dos Valores Familiares do Gana”, que penaliza (com penas de prisão) as práticas homossexuais, provocando fortes receios na comunidade LGBTQIA+.

No Gana, o texto, originário de uma coligação de cristãos, muçulmanos e chefes tradicionais, com forte apoio dos deputados, vulgarmente conhecido por projecto de lei “anti-gay”, não foi ainda assinado pelo Presidente, Nana Akufo-Addo, cujo mandato termina em Dezembro.

A comunidade internacional já reagiu e os defensores dos direitos LGBTQIA+ (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais, Queer, Intersexuais, Assexuais) já se manifestaram contra.

De acordo com as disposições do projecto de lei, as pessoas envolvidas em actividades homossexuais estão sujeitas a penas de prisão entre seis meses e três anos. Além disso, aqueles que defendem os direitos das pessoas LGBTQIA+ poderão ser sujeitos a penas mais severas, com possíveis sentenças de prisão entre três e cinco anos. O projecto de lei tinha sido apresentado no Parlamento em 2021, mas a sua votação foi sempre adiada.

No Gana, um país altamente religioso e de maioria cristã, as relações entre pessoas do mesmo sexo são proibidas, mas não se registaram casos de acusação ao abrigo da lei, que remonta à era colonial.

No entanto, as pessoas Queer (cuja orientação sexual ou identidade de género não se enquadra nos modelos dominantes) são regularmente alvo de discriminação.

Voltemos a Angola. No final do ano passado, os fiéis da Igreja Católica na província de Luanda consideram a Declaração da Santa Sé que aprova a bênção de casais “irregulares” e casais do mesmo sexo como prova de que o Papa Francisco não caminha segundo a verdade do Evangelho.

A Declaração Fiducia Supplicans, publicado pelo Dicastério para a Doutrina da Fé aprovada pelo Papa Francisco no dia 18 de Dezembro de 2023, que permite abençoar casamentos entre pessoas do mesmo sexo está a dividir fiéis da Igreja Católica em todo o mundo. Em Angola e São Tomé e Príncipe, os bispos da CEAST determinam a proibição das bênçãos a casais homossexuais.

“A respeito das bênçãos informais a ‘casais irregulares’ (homossexuais), embora sejam um sacramental diverso da bênção litúrgica, consideramos que, no nosso contexto cultural e eclesial, criariam um enorme escândalo e confusão entre os fiéis, pelo que determinamos que não sejam realizadas em Angola e São Tomé. Achamos que a resposta dada pela Congregação para a Doutrina da Fé, no dia 22 de Fevereiro de 2021, sobre o tema, ser a nossa prudente opção. Pois, ela orienta a acompanhar com caridade pastoral os fiéis que vivem nestas complexas situações e lembra que a Igreja ‘não abençoa nem pode abençoar o pecado’”, lê-se no documento da CEAST de 22 de Dezembro a que o Folha 8 teve acesso.

Na capital do país, Luanda, o Folha 8 ouviu (texto publicado no dia 24 de Dezembro do ano passado) o posicionamento dos fiéis católicos em volta da Declaração da Santa Sé aprovada pelo Papa Francisco muito criticado por implementar reformas na igreja que ferem a doutrina eclesiástica. Pelo que saem em defesa dos bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé.

“Sou fiel católico desde a nascença, e não concordo com essa medida do Papa, ainda que seja só para abençoar”, disse Mãe Nova da paróquia Dom Jaca, Cacuaco.

Para o fiel Augusto Maravilhoso, no município do Cazenga, “o Papa Francisco tem que perceber que são os pecadores que devem se adequar a doutrina da igreja se desejarem buscar o perdão, e nunca ser a igreja se adequar a vontade dos pecadores. Se não perde o rumo”.

Apesar do documento avisar que as bênçãos aos casais de homossexuais e lésbicas serem realizadas sem significar “a confirmação oficial do seu status nem a alteração de qualquer forma o ensinamento perene da igreja sobre o casamento”, os fiéis em Angola, a semelhança dos bispos da CEAST não concordam com a vontade o Papa Francisco.

“Tal bênção contradiz directa e seriamente a Revelação Divina e a doutrina e prática ininterrupta e bi-milenar da Igreja Católica. Abençoar casais em situação irregular e casais do mesmo sexo é um grave abuso do Santíssimo Nome de Deus, uma vez que este nome é invocado sobre uma união objectivamente pecaminosa de adultério ou de actividade homossexual”, explicou o fiel catequista, Bráulio de Oliveira, no município de Talatona.

A viver em Angola há mais de 15 anos, a cidadã de nacionalidade portuguesa, Maria Vilma, confirma que a resistência da CEAST é geral em África e na Europa.

“Ao permitir a bênção de casais em situação irregular e de casais do mesmo sexo, o Papa Francisco está a provar que não caminha rectamente segundo a verdade do Evangelho de Galatas 2:14”, disse ao recorrer às palavras do Apóstolo São Paulo quando advertiu publicamente o primeiro Papa em Antioquia.

“Eu, em particular, peço ao Papa que revogue a permissão de abençoar casais em situação irregular e do mesmo sexo para que a Igreja Católica possa brilhar claramente como pilar e fundamento da verdade para todos aqueles que procuram sinceramente o perdão de Deus”, aconselhou Maria Vilma.

O Papa Francisco diz que ser homossexual não é um crime, mas é um pecado.

O papa Francisco afirmou, em entrevista à agência de notícias Associated Press, que as leis que criminalizam a homossexualidade são injustas e que “ser homossexual não é um crime (…), mas é um pecado”.

Francisco reconheceu que os bispos católicos em algumas partes do mundo apoiam as leis que criminalizam a homossexualidade ou discriminam a comunidade LGBTQ (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero) e admitiu que ele próprio se refere à questão em termos de “pecado”.

O líder da Igreja Católica defendeu também que esses bispos, em particular, precisam de passar por um processo de mudança para reconhecer a dignidade de todos. “Esses bispos têm de ter um processo de conversão”, disse, acrescentando que deveriam agir com “ternura, (…) como Deus tem para cada um de nós”.

Cerca de 67 países ou jurisdições em todo o mundo criminalizam a actividade sexual consensual entre pessoas do mesmo sexo, 11 dos quais podem ou impõem a pena de morte, de acordo com o The Human Dignity Trust, uma organização não-governamental sediada no Reino Unido que trabalha para pôr fim a tais leis.

Os especialistas dizem que, mesmo quando as leis não são aplicadas, estas contribuem para o assédio, estigmatização e violência contra pessoas LGBTQ.

As Nações Unidas têm apelado repetidamente ao fim das leis que criminalizam abertamente a homossexualidade, dizendo que violam os direitos à privacidade e à liberdade e constituem uma violação das obrigações dos países ao abrigo do direito internacional para proteger os direitos humanos, independentemente da orientação sexual ou identidade de género.

Declarando tais leis “injustas”, Francisco disse que a Igreja Católica pode e deve trabalhar para lhes pôr fim. “A Igreja Católica deve fazer isso. Tem de o fazer”, sustentou. Francisco citou o catecismo da Igreja Católica, defendendo que os homossexuais devem ser acolhidos e respeitados, e não devem ser marginalizados ou discriminados.

“Somos todos filhos de Deus, e Deus ama-nos como somos e pela força que cada um de nós luta pela nossa dignidade”, disse Francisco, numa entrevista realizada no Vaticano.

Tais leis são comuns em África e no Médio Oriente e datam da época colonial britânica ou são inspiradas pela lei islâmica. Alguns bispos católicos defenderam-nas firmemente como consistentes com os ensinamentos do Vaticano que consideram a actividade homossexual “intrinsecamente perturbada”, enquanto outros apelaram à sua abolição por se tratar de uma violação da dignidade humana básica.

Em 2019, esperava-se que Francisco emitisse uma declaração de oposição à criminalização da homossexualidade durante um encontro com grupos de direitos humanos que conduziram pesquisas sobre os efeitos de tais leis e das chamadas “terapias de conversão”.

O Papa acabou por não se encontrar com os grupos, que em vez disso se reuniram com o ‘número dois’ do Vaticano, o qual reafirmou “a dignidade de cada pessoa humana e contra toda a forma de violência”.

Francisco disse que tinha de haver uma distinção entre um crime e um pecado no que diz respeito à homossexualidade.

“Ser homossexual não é um crime”, afirmou. “Não é um crime. Sim, mas é um pecado. Muito bem, mas primeiro vamos distinguir entre um pecado e um crime”, explicou, para acrescentar, de seguida: “É também um pecado faltar com a caridade ao próximo”.

A doutrina católica defende que enquanto os homossexuais devem ser tratados com respeito, os actos homossexuais são fruto de uma perturbação. Francisco não mudou essa doutrina, mas fez da aproximação à comunidade LGBTQ uma marca do papado.

A começar pela famosa declaração de 2013, “Quem sou eu para julgar?”, quando lhe perguntaram sobre um suposto padre homossexual. Como arcebispo de Buenos Aires, apoiou a concessão de protecção legal a casais do mesmo sexo, uma alternativa à defesa do casamento homossexual, que a doutrina católica proíbe.

Francisco foi criticado pela comunidade católica LGBTQ após um decreto de 2021 do gabinete de doutrina do Vaticano, segundo o qual a igreja não pode abençoar uniões homossexuais “porque Deus não pode abençoar o pecado”.

O Vaticano em 2008 recusou-se a assinar uma declaração da ONU que apelava à descriminalização da homossexualidade, alegando que o texto ia além do âmbito original e incluía também linguagem sobre “orientação sexual” e “identidade de género” que considerava problemática.

Então, o Vaticano instou os países a evitarem a “discriminação injusta” contra os homossexuais e a porem fim às sanções discriminatórias.

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